"Lucrécio, poeta romano que nasceu há mais de 2.000 anos, escreveu um longo poema, cujo o título, em português, poderia ser Sobre a Natureza das Coisas. Lucrécio acreditava que a matéria fosse constituída por pequeníssimos corpúsculos, mas compreendia que as outras pessoas não acreditassem em virtude de esses corpúsculos serem invisíveis. Então, para convencer os seus leitores de que isso não era razão bastante para acreditarem, mostrou-lhes, do modo que se segue, como decorrem certos processos naturais: «Se pendurares as tuas roupas na margem onde as ondas vêm bater, verás como ficam húmidas; se as estenderes ao sol ficarão secas. Entretanto, ninguém vê como é que a água entrou nelas nem como saiu delas, e isso só foi possível desde que a água se tivesse dividido em partículas que os nossos olhos não distinguem de maneira nenhuma. O anel que trazemos nos dedos vai-se, com o tempo, adelgaçando pelo lado de dentro; as gotas de água que caem repetidas vezes fazem covas nas pedras; o ferro curvo da charrua embota-se insensivelmente ao cavar o sulco na terra; as pedras que calçam as ruas gastam-se com os passos da multidão; e as estátuas de bronze colocadas à entrada das habitações apresentam as mãos gastas pelos beijos do transeuntes que lhes prestam culto..."
Rómulo de Carvalho, A descoberta do mundo físico.
– Lisboa : Sá da Costa, 1979