“Não é por acaso que a gíria da Biblioteca coloca os livros em 'comboios': a metáfora traduz como nenhuma outra o conceito físico da arrumação sistemática em grandes unidades colectivas ligadas em linha. Mas também simboliza, no melhor que a imaginação pode produzir, um mundo de ideias de movimento, viagem, partida, chegada, descoberta de novas paisagens, despedidas e reencontros... Cada 'comboio de livros' é, em si, uma promessa de múltiplos itinerários - em cada livro e para cada leitor – em diferentes eras, contextos, ocasiões. Mas o comboio é, também, representante de uma época de modernidade que, ainda presente, já é passado. Hoje, numa lógica de viajar completamente diferente, a Internet perturba o conceito secular de Biblioteca como organização alinhada, e em terra firme. Ultrapassando a fisicalidade do papel, transporta-nos para um universo de informação digital transmitida à velocidade da luz, onde – também não por acaso – viajamos, mas navegando. Saímos da dimensão contida de cada povoado, de cada cidade, de cada país, de cada continente, para mares onde se misturam as nações e as línguas, a uma escala planetária em que todos nos encontramos precariamente ligados. Também eles presentes nesse universo fluido, sem tempo nem espaço, os livros continuam, no entanto, a ser idealizados, impressos, distribuídos, disseminados e a ter um lugar à sua espera em qualquer carruagem de um 'comboio de livros' da Biblioteca.”
In : Comboios de Livros /Duarte Belo, Maria Inês Cordeiro. Lisboa: Assírio & Alvim; BNP, 2009, pág. 13.