Platão diz ou faz dizer ao seu Sócrates que talvez o médico devesse conhecer não apenas a natureza da alma, mas também a natureza do todo, se quer realmente tratar a deficiência, o sofrimento, a doença do paciente. Ouvimos e também sabemos, por experiência milenária, em que medida esta tarefa se transformou numa arte particularmente difícil em consequências das necessidades e dos progressos do nosso poder e do nosso saber. A marcha da história obrigou, não apenas o doente e o médico, mas a todos nós a submeter-nos cada vez mais à lei da divisão do trabalho -- o que reduziu a nossa própria contribuição a uma simples função dentro de um todo já inabarcável. E assim ser médico é, um certo sentido, uma profissão simbólica, pois a sua tarefa não é um 'fazer', mas a prestação de uma ajuda que facilita o ser vivo o seu regresso à saúde e à vida. O médico nunca pode ter a completa ilusão de possuir o poder e o fazer. Sabe que, no melhor dos casos, o seu êxito não é devido a si mesmo nem ao seu poder, mas à natureza. Tal é, efectivamente, a situação singular da medicina.
Hans-Georg Gadamer